quarta-feira, 15 de junho de 2011

Álvaro

Se eu dissesse que ele é extrovertido estaria mentindo. Mas é daquele tipo que se mostra quando ganha intimidade. Eu posso dizer com segurança que Álvaro se afeiçoou a mim mais do que gostaria. Digo isso porque nossa separação era inevitável e ele não queria sofrer mais uma vez (ele nunca chegou a me dizer isso, mas eu percebo as coisas). Não sei se eu era irresistível demais, ou ele que era muito carente. Mas, de um jeito ou de outro, acabamos nos envolvendo...

Nossa história começou como qualquer outra história de amor. Um lado interessado e outro nem tanto. O nem tanto era ele. Conhecemo-nos em seu ambiente de trabalho. Fui obrigada a solicitar seus serviços e ficar a ele ligada 24 horas por dias durante 30 dias corridos. Tempo suficiente para nos tornarmos inesquecíveis um para o outro.

Pensei que seria muito constrangedor estar ligada a alguém que eu não conhecia e que testemunharia todos os meus hábitos diários, desde os mais agradáveis aos mais escatológicos. Resolvi que iria quebrar o gelo e conhecer um pouco mais aquela criatura que zelaria pelo meu corpo:

- Imagino que deve ser chato ficar ao lado de gente desconhecida o tempo todo NE?
Ele não pronunciou palavra mas, se ouvi bem ,foi algo parecido com um:

- Hum.

Tentei mais uma vez.

- A parte boa deve ser ver gente pelada o tempo todo. Deve ser divertido...

Acho que ele me achou espirituosa demais e de novo não respondeu. Fiquei constrangida com a falta de reação e resolvi ficar quieta.

Alguns dias se passaram sem que nos comunicássemos. Apesar de ficar ao meu lado de pé o tempo todo, Álvaro tinha que ser carregado para os lugares. Em um dia bom, eu quis conhecer a varanda que dá para o mato. E como não podíamos nos separar o levei comigo. Ficamos lá a tarde toda. Até que ele enfim resolveu interagir:

- Obrigado por ter me trazido aqui. Faz tempo que eu não vinha. Para quem fica tanto tempo em lugar fechado, ver o sol, o verde e respirar um pouco desse ar...Desculpe se não me apresentei antes, Álvaro.

- Prazer Álvaro. Mônica. Quer dizer, acho que o meu nome você já deve conhecer...

- É, as enfermeiras te chamam bastante...

A partir daí conversamos sobre vários assuntos.

Quer dizer, váarios, vários também não. Alguns assuntos, aqueles que eram comuns a mim e a ele. Coisas do universo do hospital. Qual a enfermeira preferida, coisas de doença, de chatices, ele me contou das paqueras de bastidor, quem eram os doentes preferidos...

Perguntei se ele nunca sentia sono. Afinal trabalhava dia e noite sem parar. A resposta me deixou sem graça:

- Normalmente sim, mas ao seu lado nem tanto. Você fica linda dormindo.

- Mesmo sem cabelo? – Respondi no ímpeto de querer dizer alguma coisa.

- Fique sabendo que para mim, ter cabelo é que é estranho. A maioria das pessoas com quem trabalho também não os tem.

Achei a resposta fofa e não consegui dizer mais nada a não ser um “obrigada” sem jeito.
A cada dia que passava a situação para mim ficava mais difícil, mas me confortava saber que ele estava ali do meu lado sempre. Já não tinha mais vergonha da sua presença. DE vez em quando ele até mandava um comentariozinho mais ousado para ver como eu reagia (principalmente no banho):

- Se você quiser ajuda para esfregar as costas...

No início eu exigia respeito, mas depois...

- Ai.. Não alcanço minhas costas com a escova. Meu lado direito dói...

Tenho que dizer que apesar de muito magro Álvaro tinha uma virilidade no esfregar de costas... Será que era uma prática recorrente? Essa intimidade com os pacientes? Não fui a diante com esses pensamentos. Quis me sentir especial para ele.

Álvaro também tinha seus dias de mau humor, principalmente ao me ouvir reclamar sem parar do meu estado. Talvez ele se sentisse um pouco responsável por isso. Não sei...

Um dia o médico adentra meu quarto com a notícia que eu iria embora no dia seguinte.
Fiquei numa felicidade só. Álvaro sorriu também, mas com menos entusiasmo.

-Al, vou embora!!Graças a Deus!!

- Que coisa boa NE?

E enquanto eu me preparava para ir embora, Álvaro permaneceu quieto, apenas cumprindo sua função de me dar os remédios e o soro.

Antes de sermos desconectados um do outro, ele disse baixinho:

- É divertido sim.

- O Que?

- Ver as pessoas peladas...

Não pude deixar de esboçar um sorriso.

Fui desligada de Álvaro e o vi sendo levado do meu quarto como se fosse um objeto qualquer. Me doeu o coração deixá-lo sozinho.

Fui ao corredor e vi que ele estava sendo levado para outro quarto e estava para ser ligado a uma Raquel que tinha acabado de chegar.

Senti uma mistura de alívio e ciúme, pelo menos ele teria companhia... Mas quem era aquela desconhecida que ficaria agora com o meu Álvaro?

A Raquel já entrou fazendo alguma piadinha sobre ele que lhe arrancou um sorriso!Mas como assim?! Ele cedeu logo no primeiro dia, enquanto comigo foram dias de convivência para alguma reação amigável. Muito injusto! Pelo menos eu voltaria para o mundo e ele ficaria preso para sempre!

Pode ser que ele fosse o irresistível e eu a carente. E talvez ele tenha sido muito mais inesquecível para mim do que eu para ele.

Mas fazer o que NE? Cada um tem o “Wilson” que merece...


Este é Álvaro em um dia de frio.

15 comentários:

  1. oohh Monikinhaaa...vc não existe mesmo!! Adorei
    :*

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  2. Oi Mônica, a cada dia você se supera!adorei!sensacional ! não demore tanto a escrever...beijos

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  3. nossa menina vc é sensacional com esse seu bom humor Deus lhe gurde sempre assim bjs

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  4. Incrível!!! Você consegue ver beleza em tudo!

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  5. Monica, vc é fantástica! Amei o seu texto, vc escreve muito bem, dá vontade de querer ler mais e mais!bjo grandeee

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  6. Monica, muito legal a sua facilidade de descrever e expressar sentimentos! E, é muito gostoso ler suas estórias! Acho bacana essa sua forma sempre espirituosa de ver o dia a dia da vida! Que Deus he conserve assim! Bjs, Tia Verônica

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  7. Preciso confessar que dei em cima do Alvaro varias vezes ... mais n sinto mais a falta de encontrar com ele ... HAHHAHHAHAHHA , incr[ivel texto amigaaaa!!

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  8. Mônica,
    Eu não te conheço, mas por acaso entrei no seu blog. Estou extremamente encantada com tudo o que você escreveu neste post e no anterior. Encantada com a sua força. Não tenho costume de comentar em lugar nenhum, mas seria um erro não dizer a você, o quanto suas palavras me tocaram! Parabéns. Sei que é atriz, mas eu sinto uma realidade imensa nos seus textos. Continue firme, encarando com muita força de vontade e você sairá vitoriosa, sem dúvidas!! Suas palavras nos passam vontade de viver e de dar valor a tudo o que está ao nosso redor, desde os relacionamentos mais complexos, até os detalhes mais simples do dia-a-dia.
    FORÇA!
    Um beijão!

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  9. Obrigada pelos comentários gente! Valeu pela força!Na falta do que fazer no ócio do hospital o negócio é inventar história!rs!que bom que de alguma forma vcs tenham sido tocados pelo texto, mesmo que seja achando uma bobagem completa...Vou escever mais, mas acho que agora sobre outros assuntos, afinal essa doença ja acabou p mim. Bola p frente!bjo a todos!!!

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  10. Mônica sua Fofa!!!rs
    Estaremos sempre torcendo por você!
    Beijão!

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  11. Kete Kete!! vc é uma figura mesmo.. Nunca imaginei que alguém fosse ter uma visão tão fantástica e criativa sobre um.... Álvaro?? Hehehe! Bjs. B2

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  12. Este comentário foi removido pelo autor.

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  13. Poxa Mônica. Que sensível.
    Li todos os seus textos.
    Abraços FinosTrapianos,

    Daisy Andrade

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