quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sobre a leitura

Queria atualizar o blog com algum texto novo. Não tive idéias.

Resolvi postar um trabalho que eu fiz para a faculdade. Ao contrário de muitos outros, este eu gostei de fazer. Se vc gosta de ler, acho que vai gostar dele.
Eu fingi gostar de ler mais do que gosto de verdade. Mas releve o exagero,é que professor gosta de aluno metido a intelectual...





Marcel Proust, em seu texto “Sobre a leitura”, reflete sobre o ato de ler. O que era para ser um simples prefácio, se transforma em um belo hino de amor à leitura.

Proust, quando descreve seus momentos de leitura na infância, nos transporta para o seu mundo particular de pensamentos e sensações, nos fazendo lembrar junto com ele dos nossos próprios delírios, do tempo em que estivemos enfeitiçados por algum livro.
A nossa perspectiva muda quando estamos lendo. O mundo ganha um sabor diferente, as imagens parecem querer nos dizer algo, as vozes que antes eram tão familiares agora parecem ter uma melodia nova, os cheiros se transformam em portadores de lembranças... Os detalhes da vida ficam mais vivos.

Na medida em que descreve os locais e as condições em que lia seu livro, Proust nos mostra que as lembranças daquela leitura são na verdade as lembranças do seu quarto, do almoço, que interrompia sua leitura, do vizinho, do cotidiano da sua casa, do sino da igreja, das flores do campo... Descreve como eram felizes os momentos de silêncio e solidão, quando ninguém aparecia para importunar sua leitura.

É um texto que consegue transformar em palavras o fluxo intenso de sensações que todos nós temos quando estamos mergulhados em alguma história. Uma bela introdução para um livro que vai exatamente refletir sobre a leitura.

Proust resume a principal idéia contida no livro “Trésors dês Rois” de Ruskin com palavras de Descartes: “a leitura de todos os bons livros é como uma conversação com as pessoas mais honestas dos séculos passados que foram seus autores.”

Ele diz que mesmo que sejamos suficientemente inteligentes para escolher bem as nossas amizades e que possamos travar conversas interessantíssimas com essas pessoas, mesmo assim, a experiência da leitura é superior. O ato de conversar está ligado ao que é externo, dissipando as idéias, enquanto que a leitura consegue a façanha de ser uma conversa com o outro sem sair do lugar reflexivo e de poder intelectual que só a solidão proporciona.

Sem contar que os autores dos livros são homens muito mais sábios e mais interessantes que aqueles que podemos ter a chance de conhecer à nossa volta. E eles estão ali, sempre a disposição, sem precisar que marquemos uma hora para o encontro.
Outra teoria, que de início parece até desanimadora, é a de que os livros têm por função apenas provocar incitações, desejos em nós leitores. Cada conclusão feita por seu autor assinala o ponto de partida da nossa própria reflexão e busca da verdade. Gostaríamos que eles nos dessem respostas, porém a nossa sabedoria só nasce quando termina a do autor.

“Este é o preço da leitura e esta é a sua insuficiência. É dar um papel muito grande ao que não é mais que uma iniciação para uma disciplina. A leitura está no limiar da vida espiritual; ela pode nela nos introduzir, mas não a constitui.”

A leitura tem o poder de recuperar aquelas almas que já não sabem mais o caminho da sua própria verdade e criatividade. Proust compara estes “doentes” com aqueles doentes da preguiça, que não tem vontade de fazer nada na vida e que precisam de um agente externo, um médico talvez, para que eles voltem a fazer suas atividades. A leitura serve como este agente externo que transporta a pessoa de novo para a sua própria individualidade, para a sua imaginação, para a sua complexidade, oferecendo de novo o caminho das pedras para que o leitor possa se encontrar com seus tesouros escondidos. É o estímulo de outro espírito, mas recebido no seio da solidão.

A leitura torna-se perigosa, no entanto, quando tende a substituir a vida pessoal do espírito. Seu papel é incitar o leitor a procurar a sua verdade particular e não ser esta verdade. A verdade não é concreta ou está escrita em algum lugar, esperando que nos a encontremos. Por isso a leitura eficiente é a ativa, em que o leitor também é autor. Limitar-se ao que está escrito e só, é subestimar o poder que o livro pode ter.

Bom, tendo terminado meu trabalho de Português(que fez o favor de importunar minha leitura), posso voltar ao livro que eu estava lendo e finalmente saber se Dorian Gray vai envelhecer ou ficar jovem para sempre.