terça-feira, 7 de agosto de 2012

A velha, o rapaz e o mendigo


Li uma vez em algum lugar que “quem escreve só pode escrever sobre aquilo que viveu”. Concordei na hora.

Sei que o autor desconhecido falava metaforicamente, de sentimentos, vivencias. Não necessariamente de acontecimentos práticos.  Mas eu gosto mesmo é de acontecimentos reais e falar sobre eles.  Porque inventar historia é legal, mas é bem mais fácil e prazeroso contar uma história que você viveu.

Digo isso porque hoje eu acordei querendo escrever, mas sobre o que?

Gosto dos acontecimentos do acaso. Mas nos últimos dias não ouvi nenhuma fofoca da vizinha, não tive preocupação de trabalho, não conheci figuras interessantes na rua, não descobri nenhuma doença e nem filosofei sobre nada muito relevante.

Hoje acordei querendo escrever, mas sobre o que?

Fui em Ipanema resolver umas coisas e no meu caminho tentei entrar em contato com alguma coisa extraordinária que pudesse cruzar a minha rota. Prestei atenção em conversas, fiz cara de disponível para velhinhas que quisessem compartilhar suas aflições, fui de ônibus para ficar observando as coisas pela janela,  reparei nas vitrines, nas promoções. Comprei umas blusas e livros em um sebo. Sentei em uma lanchonete, e enquanto comia um pastel e um suco, reparei nas pessoas. Todas indo ou voltando de algum lugar, todas muito normais. As pessoas mais legais que vi no dia foram uma velha que falava sozinha e um cara do casseta e planeta.  Carregava comigo 3 sacolas.

Escrever sobre o que?

[Uma menina subiu em um ônibus e se atrapalhou para passar na roleta, trazia uma bolsa grande, e 3 sacolas de compras. Não sabia se passava primeiro com as sacolas, o próprio corpo, ou se pagava a passagem. Sentou do meu lado e ficou me olhando com uma cara sem graça, pediu desculpas pela quantidade de sacolas que ocupavam o chão entre o nosso assento e o da frente. Quase não tinha onde colocar os meus pés. Achei despeito já que o assento era preferencial. Mas acordei de bom humor e não ia bater boca com garota nenhuma.
Feito uma retardada ficou olhando pela janela como se nem soubesse para onde estava indo nem qual o ponto ia parar. Acabamos descendo no mesmo ponto. Eu ia pegar minha aposentadoria no banco e fazer o mercado.
-Arroz, feijão, frango, farinha, leite, ovo, queijo, açúcar... – Repito em voz alta o que preciso comprar para treinar a memória. Não anoto nada.]

Sobre o que?

[Devagar ela anda no meio da rua com uma bolsa grande e 3 sacolas de compras. Tô doido para chegar logo em casa. A calçada é estreita e ninguém mais pode passar, achei que quem fazia isso era velho, mas a menina com a cabeça nas nuvens não reparou que uma fila de gente mal humorada atrás dela tinha mais o que fazer. 
Parou para olhar uma vitrine. Logo todo mundo que estava atrás dela passou ligeiro inclusive eu. Tenho raiva de quem fica prendendo o transito de pessoas da rua. Gente tinha que vir com buzina.]

Escrever sobre o que?

[Estou com fome, estou aqui sentado e ninguém olha para baixo, ninguém joga uma moeda. Uma menina come pastel com suco. Prefiro nem ficar olhando para a fome não aumentar, um cara que anda rápido na rua tropeça em mim e pede desculpas. Uma mulher passa falando de arroz, feijão e frango. Hoje não é o meu dia...Ih, o cara do casseta e planeta!]


Nada me aconteceu, ninguém foi suficientemente interessante para mim hoje.

Mas vou escrever mesmo assim.

Sei lá, vamos supor então que alguém tenha reparado em mim. Só supor. 



terça-feira, 24 de abril de 2012

Questão de opinião (ou não)

Diálogos. Eu e meu namorado. Ele começa:

- O que que você vai querer?
 - Quer dividir alguma coisa? Escolhe aí!
 - Quer carne, frango, petisco, batata frita?
 - Qualquer coisa, pede aí que eu como!
 - Eu quero bife a parmegiana, pode ser?
 - AI... Bife à parmegiana...Não pode ser outra coisa não?
 - O que, fala aí alguma coisa!
 - Tá, pode ser bife à parmegiana! Eu como...

 .

 - Você acredita em vida após a morte?
 - Não sei, ninguém nunca voltou para contar...
 - Mas você acredita?
 - Não...
 - Não?
 - Não, acho que acabou, acabou...
 - ...
 - Se bem que tem as mensagem dos espíritos, tem os milagres dos santos ... Ah, não sei! Respeito todas as fés.
 - Mas em que que VOCÊ acredita?
 - Hum...Acredito em energia...
 .

Sempre fui meio em cima do muro, não gosto de ficar mal com ninguém, acho sempre que qualquer opinião sem relativizar um pouco vai atingir alguém. Gosto mais de ver o que os outros acham do que ser a primeira a dar minha opinião.
 Isso é um defeito sem dúvida. Só existe e é respeitado quem se posiciona.
 Mas será que eu preciso ter uma opinião formado sobre tudo!? Tem coisas que tenho conhecimento de causa e posso bater no peito, mas outras eu só desconfio. Tenho twitter, escrevo pouquíssimo. No facebook, também não sou a que mais posta pensamentos, até o próprio blog demoro a atualizar.... E na enxurrada de atualizações, de tantas opiniões, às vezes me sinto quieta demais. Ao mesmo tempo em que acho meio chato quem tem uma opinião pronta sobre tudo...
 É como se eu esperasse um amadurecimento de vivência que me trouxesse de bandeja todas as certezas e argumentos que me pedem.
 Mas se a vida é um eterno aprendizado, já dizia Narcisa, quando vou ter as certezas de que preciso para mostrar o que penso? Na vida eterna? E se ela não vier?
 Por isso, ultimamente tenho me forçado a dar mais a minha opinião, mesmo que seja equivocada, mesmo que eu mude depois, que alguém me convença do contrário, mesmo que ninguém queira saber. Sei lá, exponho aqui a dúvida na falta de uma certeza para dar, afinal são tantas possibilidades que limitar qualquer coisa me parece burrice. Sei dizer o que é físico, emocional, mas o porquê e como, não pergunte.
 Eu simplesmente não sei. Ou sei. Ou...

 - De sobremesa uma torta búlgara!
 - Petit gatô, não?
 - Torta búlgara tem creme de leite, é uma delícia. Você vai amar!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cicatrizes

Quando eu tinha uns 18 anos estava passando férias na Irlanda e tomando umas bebidinhas estranhas em um Pub, acabei conhecendo um grupo de masoquistas que se apresentavam no país em uma espécie de circo dos horrores. O barman, que provavelmente já os conhecia há algum tempo, dado a maneira íntima com que se tratavam, pediu uma pequena demonstração de habilidades para agradar a turista, no caso eu. Erin era um cara de uns vinte e poucos anos que se prontificou a realizar o pequeno show. Pediu ao barman uma faca e enfiou, sem exprimir qualquer dor, na bochecha esquerda. Fiquei fascinada com a habilidade de não sentir dor da criatura. Ele me falou que era algo ligado a respiração e a meditação. Quis aprender a técnica e logo virei estrela do grupo com meu incrível número de ser alçada por ganchos enfiados na minha pele acima do busto. Era um masoquismo para a plateia que agoniada esperava até quando eu aguentaria. Cerca de 5 minutos, tempo bastante para que eu fosse aplaudida no final. E essa é a história das minhas 4 cicatrizes, 2 em cada lado do meu colo.

Bom, é mentira, claro. Acabei de inventar. Tenho essas cicatrizes por causa dos cateteres que eu tive que por.

É que eu acho que cicatriz sempre traz uma aventura envolvida, uma aposta que não deu certo, é quase uma prova de que a pessoa viveu intensamente. Sempre fico curiosa ao descobrir uma cicatriz na pele de alguém.

Ter cicatrizes nas pernas mostra o quão moleque você foi, quantas quedas tomou, quantas mordidas de cachorro, picadas de mosquito, tombos de bicicleta e traquinagens você foi capaz de fazer.

Quando é na barriga ou nas costas acho sempre que é coisa de acidente ou operação. Dá um certo constrangimento perguntar. Mas se a pessoa tá ali bem, uma cicatriz de um trauma também pode ser uma grande história.
Outro dia conversando com meu namorado falávamos dessa cicatriz embaixo do queixo que muita gente tem. Porque criança que é criança já abriu o queixo alguma vez na vida.

Eu nunca abri meu queixo e me senti meio mal por isso. Nem de tombo de bicicleta. Eu não tinha sítio, casa de praia, nem família no interior, portanto minha infância foi em apartamento e playground. Entendia mais de lego e Playmobil que de bichos e frutas colhidas do pé. Mas ok também, a quantidade de porradas que eu dei com a canela na mesinha de centro compensam.

Talvez as histórias vividas tenham tanto potencial de histórias fantásticas quanto as fantásticas...

Bom, isso para vocês, meros mortais que não sabem a emoção e dor de estar pendurada por ganchos de ferro para uma plateia de mil pessoas. Ah! Mil não. Cem mil!


Aí esta a foto sem photoshop denunciando as marcas da minha aventura fantástica...