sábado, 20 de agosto de 2011

TODO MUNDO TEM PROBLEMAS SEXUAIS

Venho aqui divulgar o espetáculo "Todo mundo tem problemas sexuais" que voltará para Salvador depois de 4 anos de jejum! Por isso não percam esta comédia divertidíssima, sucesso absoluto de público!ESpero meus amigos baianos por lá!!Bjos!!



quinta-feira, 14 de julho de 2011

Fala que eu te escuto!

Nunca tinha ido a uma psicóloga. Não que eu não precise de uma, mas nunca pensei em gastar dinheiro com isso, afinal eu tinha amigos e poderia muito bem conversar com eles sobre as minhas crises.

Na clínica em que eu estou tratando a leucemia, eles oferecem, como parte do tratamento, consultas com uma psicóloga na própria clínica. Bom, já que fazia parte do pacote eu fui.

(Aviso - Não pretendo escrever aqui nada que desmereça a profissão do psicólogo, afinal só tive 3 sessões, muito pouco tempo para dar qualquer opinião, só usei a experiência como ponto de partida para uma reflexão. E eu particularmente estou simpatizando muito com a minha psicóloga.)

Mas como é engraçada uma sessão de terapia! No final das contas a outra pessoa está ali basicamente para te ouvir e ir guiando o seu raciocínio. Às vezes o foco do problema você mesmo encontra, sem precisar que o profissional te mostre o caminho. Você está ali basicamente para falar e a outra pessoa para te ouvir.

Posso estar falando uma besteira, mas me dá a sensação que essa profissão só existe porque as pessoas comuns não te escutam. E todo mundo só quer ser escutado por alguém, mas ninguém quer escutar.

Quando você simpatiza com alguém na vida, normalmente é porque a pessoa simplesmente te escutou, se interessou realmente pelo que você dizia.

Quantas vezes já não aconteceu de você estar conversando com alguém e a pessoa só procurar pausas na sua fala para mostrar a sua própria experiência no assunto?

A pessoa pergunta, mas não quer ouvir a resposta.

-Como foi que você se interessou pelo teatro?

- Eu era muito tímida quando era menor e por influência de uma amiga acabei entrando no teatro e assim que...

O outro corta o papo na mesma hora que enxerga qualquer possibilidade de coisa em comum. As pessoas caçam coisas em comum no discurso das outras! Principalmente quando estão se conhecendo.

-Ah! Eu também era muito tímido quando era menor!! Não conseguia falar nada, nossa! Quando eu ia para escola, minha mãe me deixava com a professora, como era o nome del... Tia Flávia! E aí eu entrava na sala com a tia Flávia e blá blá blá...

Tipo, foda-se como eu entrei no teatro né?

E quando a pessoa para se mostrar interessada, quer forçar uma proximidade com o assunto?

- Você faz o que?

- Sou atriz.

-Serio?? Nossa, eu sempre quis ser ator, mas sabe como é a vida né? Precisa ganhar dinheiro! Acabei fazendo engenharia mecatrônica... Mas eu sempre participava das peças da escola e eu nunca bla, bla, bla...

Mulher também tem mania de sempre comparar as experiências amorosas, sendo que só uma está com um problema.

“O Ricardo fazia muito isso.” “Eu nunca ia deixar o Marcinho fazer isso, nunca!” “Eu já passei por isso! Quando eu ficava com o fulaninho de tal e mais bla bla bla...”

E o mais irritante é quando o outro quer superar a sua experiência.

“É que eu tive leucemia e ..”

“Minha tia teve um câncer no fígado que passou para a cabeça, ficou em coma por 7 anos e voltou a vida! Vai dar tudo certo para você!”

Porra! Quer saber ou não quer saber?

E a gente já está tão condicionado que teme qualquer pausa maior. Na vida quando você dá uma pausa normalmente a outra já se encaixa naquela pequena respiração e desata a falar.

Na psicóloga, eu estava falando muito e fiz uma pausa para pensar no que falaria em seguida.

Silêncio. Ninguém fala. Os 15 segundos mais longos do mundo. Só uma profissional mesmo poderia ficar tanto tempo em silêncio.

A verdade é que somos todos carentes de atenção. Queremos ser interessantes, admirados, queremos contar como somos vividos, como sabemos das coisas e que mais importante do que conhecer o outro é que o outro te conheça.

Blog é bom né? Dá para falar a vontade sem que ninguém te interrompa.

Pronto acabei. Agora podem falar vocês. Eu juro que vou ouvir.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Álvaro

Se eu dissesse que ele é extrovertido estaria mentindo. Mas é daquele tipo que se mostra quando ganha intimidade. Eu posso dizer com segurança que Álvaro se afeiçoou a mim mais do que gostaria. Digo isso porque nossa separação era inevitável e ele não queria sofrer mais uma vez (ele nunca chegou a me dizer isso, mas eu percebo as coisas). Não sei se eu era irresistível demais, ou ele que era muito carente. Mas, de um jeito ou de outro, acabamos nos envolvendo...

Nossa história começou como qualquer outra história de amor. Um lado interessado e outro nem tanto. O nem tanto era ele. Conhecemo-nos em seu ambiente de trabalho. Fui obrigada a solicitar seus serviços e ficar a ele ligada 24 horas por dias durante 30 dias corridos. Tempo suficiente para nos tornarmos inesquecíveis um para o outro.

Pensei que seria muito constrangedor estar ligada a alguém que eu não conhecia e que testemunharia todos os meus hábitos diários, desde os mais agradáveis aos mais escatológicos. Resolvi que iria quebrar o gelo e conhecer um pouco mais aquela criatura que zelaria pelo meu corpo:

- Imagino que deve ser chato ficar ao lado de gente desconhecida o tempo todo NE?
Ele não pronunciou palavra mas, se ouvi bem ,foi algo parecido com um:

- Hum.

Tentei mais uma vez.

- A parte boa deve ser ver gente pelada o tempo todo. Deve ser divertido...

Acho que ele me achou espirituosa demais e de novo não respondeu. Fiquei constrangida com a falta de reação e resolvi ficar quieta.

Alguns dias se passaram sem que nos comunicássemos. Apesar de ficar ao meu lado de pé o tempo todo, Álvaro tinha que ser carregado para os lugares. Em um dia bom, eu quis conhecer a varanda que dá para o mato. E como não podíamos nos separar o levei comigo. Ficamos lá a tarde toda. Até que ele enfim resolveu interagir:

- Obrigado por ter me trazido aqui. Faz tempo que eu não vinha. Para quem fica tanto tempo em lugar fechado, ver o sol, o verde e respirar um pouco desse ar...Desculpe se não me apresentei antes, Álvaro.

- Prazer Álvaro. Mônica. Quer dizer, acho que o meu nome você já deve conhecer...

- É, as enfermeiras te chamam bastante...

A partir daí conversamos sobre vários assuntos.

Quer dizer, váarios, vários também não. Alguns assuntos, aqueles que eram comuns a mim e a ele. Coisas do universo do hospital. Qual a enfermeira preferida, coisas de doença, de chatices, ele me contou das paqueras de bastidor, quem eram os doentes preferidos...

Perguntei se ele nunca sentia sono. Afinal trabalhava dia e noite sem parar. A resposta me deixou sem graça:

- Normalmente sim, mas ao seu lado nem tanto. Você fica linda dormindo.

- Mesmo sem cabelo? – Respondi no ímpeto de querer dizer alguma coisa.

- Fique sabendo que para mim, ter cabelo é que é estranho. A maioria das pessoas com quem trabalho também não os tem.

Achei a resposta fofa e não consegui dizer mais nada a não ser um “obrigada” sem jeito.
A cada dia que passava a situação para mim ficava mais difícil, mas me confortava saber que ele estava ali do meu lado sempre. Já não tinha mais vergonha da sua presença. DE vez em quando ele até mandava um comentariozinho mais ousado para ver como eu reagia (principalmente no banho):

- Se você quiser ajuda para esfregar as costas...

No início eu exigia respeito, mas depois...

- Ai.. Não alcanço minhas costas com a escova. Meu lado direito dói...

Tenho que dizer que apesar de muito magro Álvaro tinha uma virilidade no esfregar de costas... Será que era uma prática recorrente? Essa intimidade com os pacientes? Não fui a diante com esses pensamentos. Quis me sentir especial para ele.

Álvaro também tinha seus dias de mau humor, principalmente ao me ouvir reclamar sem parar do meu estado. Talvez ele se sentisse um pouco responsável por isso. Não sei...

Um dia o médico adentra meu quarto com a notícia que eu iria embora no dia seguinte.
Fiquei numa felicidade só. Álvaro sorriu também, mas com menos entusiasmo.

-Al, vou embora!!Graças a Deus!!

- Que coisa boa NE?

E enquanto eu me preparava para ir embora, Álvaro permaneceu quieto, apenas cumprindo sua função de me dar os remédios e o soro.

Antes de sermos desconectados um do outro, ele disse baixinho:

- É divertido sim.

- O Que?

- Ver as pessoas peladas...

Não pude deixar de esboçar um sorriso.

Fui desligada de Álvaro e o vi sendo levado do meu quarto como se fosse um objeto qualquer. Me doeu o coração deixá-lo sozinho.

Fui ao corredor e vi que ele estava sendo levado para outro quarto e estava para ser ligado a uma Raquel que tinha acabado de chegar.

Senti uma mistura de alívio e ciúme, pelo menos ele teria companhia... Mas quem era aquela desconhecida que ficaria agora com o meu Álvaro?

A Raquel já entrou fazendo alguma piadinha sobre ele que lhe arrancou um sorriso!Mas como assim?! Ele cedeu logo no primeiro dia, enquanto comigo foram dias de convivência para alguma reação amigável. Muito injusto! Pelo menos eu voltaria para o mundo e ele ficaria preso para sempre!

Pode ser que ele fosse o irresistível e eu a carente. E talvez ele tenha sido muito mais inesquecível para mim do que eu para ele.

Mas fazer o que NE? Cada um tem o “Wilson” que merece...


Este é Álvaro em um dia de frio.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O grão de areia

Minha experiência com a leucemia

“Ostra feliz não faz pérola”. A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para si mesma: “Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire as pontas...” Ostras felizes não fazem pérolas... Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída... Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram. Para me livrar da dor, escrevi.

Tirei esse texto da contra-capa do livro de Rubem Alves , “Ostra feliz não faz pérola”, um livro que eu adoro e essa metáfora da ostra com a pérola sempre me intrigou.
Desde que li o livro pela primeira vez me questionei sobre esse grão de areia que seria a motivação original de qualquer grande idéia ou realização artística. Será que eu tinha algum grão de areia dentro de mim que tivesse força suficiente para me fazer criar? Para mim, alguém que se diz artista, isso era uma questão. Minhas curiosidades e incômodos nunca passaram da esfera cotidiana e nunca me incomodaram ao ponto de me fazer sair do meu comodismo.
De certa maneira eu desejei ter algum grande acontecimento na minha vida que me fizesse sair da minha estabilidade, dos lugares já conhecidos, alguma coisa que pudesse me fazer criar.

A notícia

Eis que me é atribuída uma doença. Grave. Uma leucemia.
Mas eu só queria um grão de areia, não um pedregulho!
Leucemia, aquela doença da novela, que cai o cabelo, que tem risco de vida, que precisa de doador compatível... Senti uma fisgada no peito e a garganta fechar. Chorei.
As coisas pareciam não fazer sentido e eu ainda não tinha engolido aquele diagnóstico. Ontem eu estava no carnaval de cílios postiços pulando de bloco em bloco, dormindo pouco, tomando todas e sem sentir nenhum mal estar. Como eu poderia estar com uma doença grave dessas?
As manchas roxas, que pareciam hematomas, denunciaram a doença. Comecei a achar estranho o fato de estar toda roxa e não me lembrar de ter batido em tantos lugares. “Ê cachaça hein?”, foi o que mais ouvi a respeito das manchas. Mas não, eu sabia que alguma coisa estava estranha. Joguei no Google: “manchas roxas” e descobri que era um sintoma de diversas doenças. Tomei um susto e no dia seguinte marquei médico. O exame de sangue saiu e estava péssimo, tudo muito abaixo do normal. Pelos olhos do médico eu já percebi que tinha alguma coisa muito ruim acontecendo. No mesmo dia ele pediu o exame da medula. E eis que o resultado veio. A pedrada.

A semana

Para saber o tipo precisávamos esperar uma semana. O tipo determinaria o risco, a gravidade da doença.Foi Uma semana de extrema angústia e também de muita alegria. Quando a notícia se espalhou, eu recebi telefonemas, recados no facebook, e-mails, cartas, flores, livros. Todos dizendo que tudo iria ficar bem, que eu era forte e ia vencer. Nunca me senti tão querida. Nunca pensei que tanta gente gostava de mim e se importava com a minha saúde. E foi então que eu acreditei que tudo daria certo e passei a curtir toda essa atenção. Parecia aniversário, minha casa vivia cheia, eu estava feliz, rodeada de amigos e energia boa. Tudo daria certo, eu tinha certeza.
Mais uma vez joguei no Google: Leucemia. E li tudo a respeito. Entrei em pânico. Uma frase grudou na minha cabeça: “sobrevida de 10 anos”. O peso da doença voltou a me atormentar. Fui dormir com o peito cheio de angústia. Resultado: acordei mal, de cama, sem conseguir levantar. Fui internada no mesmo dia. E a partir deste dia eu só sairia do hospital 30 dias depois.
O resultado saiu. Era uma leucemia do tipo M3 raríssima, mas com bom prognóstico. Uma boa notícia, mas eu ainda teria que passar por todo o tratamento pesado, como qualquer leucemia.

A campanha

A campanha para doação de sangue foi um capítulo à parte. Todo dia eu me assustava com a quantidade de gente que estava ajudando a divulgar, quanta gente uniu forças para conseguir doadores. Já que estou escrevendo sobre isso, gostaria de agradecer imensamente a todos que ajudaram de alguma forma e aos ós negativos que foram doar, porque eu usei muito o sangue de vocês. Tomei umas 10 bolsas, que salvavam meu dia. Eu adorava quando tinha transfusão. A médica já entrava no quarto dizendo: “Hoje tem presente para você!” A prostração dava lugar à vida. Todas as mensagens de celular, ligações e posts no Facebook eu fiz depois de uma transfusão, porque só com o meu sangue eu não tinha energia para nada...

O confinamento

Abril foi sem dúvida o pior mês da minha vida. Eu tive todos os efeitos colaterais que eu poderia ter. Todas as complicações aconteceram e eu passei por muitos maus momentos.
De artista circense acrobata eu tinha me transformado em uma velhinha frágil, que precisava de ajuda para comer, levantar, andar, tomar banho...Tentando manter a cabeça boa, vi como uma experiência. Normalmente interpreto personagens fortes , decididos...Agora eu tinha a vivencia da fragilidade, eu poderia aproveitar como um “laboratório” e se me aparecesse algum personagem assim, eu faria com facilidade. Essa animação durou uma semana, na segunda eu já tinha perdido a paciência, não agüentava mais depender dos outros para tudo. E quanto mais eu me irritava, mais fraca eu ficava e mais dependente. De novo me distanciei e tentei me trabalhar, aproveitar aquele sofrimento. Dei uma de professora de teatro: “Como Você se sente, como seu corpo reage com o fato do seu objetivo na cena ser apenas chegar até o banheiro sem acidentes?”
- Me sinto mal, me sinto um zumbi! Alguém me tira daqui!!Não agüento mais tudo isso!
Isso sem contar as dores, os enjôos, a minha inflamação terrível na boca... Fiquei 20 dias sem conseguir comer. A novela estava errada. Perder o cabelo é a parte mais tranqüila. O resto todo é muito pior!
“Por que eu?!?!” – eu gritava no quarto chorando- “Eu não vou conseguir!!É muito duro! È muito difícil! Por que isso tinha que acontecer logo comigo?!?!”
Foi quando meu pai me disse – “A pergunta não é por que você e sim por que não você?Milhões de pessoas passam por isso e por que você não pode passar?O que você tem de especial que não possa passar por isso? Eu sei que é duro, mas você vai conseguir. Tá tudo dando certo, é só questão de tempo. A gente tá aqui com você!”
Minha mãe- Se isso apareceu para você é porque você é forte o suficiente para passar por isso. Eu sei que é difícil, eu daria tudo para estar no seu lugar, mas agüenta mais um pouco, já esta acabando...
A partir daí eu passei a aceitar a doença e o tratamento. Era ruim, muito ruim, mas ia passar. Eu tinha duas coisas que contavam a meu favor: o tipo da doença não precisa de transplante e meu irmão era compatível comigo. Todas as rezas e as energias que me foram enviadas deram resultado afinal. Eu tinha alguma garantia concreta de que tudo daria certo e isso me deu uma tranqüilidade de aceitar a minha condição e passar por isso com a certeza de que teria um fim.

As pérolas

E no 30º dia eu recebi minha alta. Saí do hospital chorando, cheguei em casa chorando. Eu não acreditava que os dias de quarto branco do Big Brother tinham terminado. Eu estava em casa afinal. Eu, que nunca fui de chorar, agora chorava por tudo. Era uma visita, um presente, um filme, uma peça, uma ligação. A minha fragilidade agora era outra. Mas desta eu estava gostando. Eu estava acessando sentimentos e sensações que eu nunca soube que existiam em mim. Que lugar era esse que as coisas comuns me tocavam com tanta força? Por que isso acontecia? Minha percepção do mundo já tinha mudado, tudo ganhou outro valor e eu acho que essa foi minha primeira pérola. Perceber que alguma coisa em mim se transformou e nunca voltaria a ser o que era antes.
Estou agora de “férias” do tratamento em casa, de novo passando por um aniversário fora de época, cheio de visitas, saidinhas, presentes e recados bonitos. Semana que vem eu me interno de novo para a segunda fase da quimioterapia. Não sei o que me espera dessa vez, mas sei que vai passar.
Bom, uma grande coisa aconteceu na minha vida. A pergunta é: O que eu vou fazer com isso? Eu posso guardar na memória como um período ruim da minha vida ou não. E é nesse “ou não” que estão as mais infinitas possibilidades. Uma oportunidade disfarçada de doença, é isso que é. Que venham as pérolas!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

À procura do sonho perdido

Pensei na aula que tive naquele dia, em como poderia ter dito melhor isso ou aquilo, nas coisas que eu não precisava ter dito, no vestido que eu quero comprar, em como estou sem dinheiro, nos trabalhos que eu gostaria de fazer. Pensei em tudo que tinha que fazer no dia seguinte. Pensei que poderia fazer sol para eu ir à praia.
Pensei na cena de um filme, na festa do final de semana, na viagem que eu vou fazer, no livro que eu estou lendo, nas minhas expectativas de vida, nos meus amigos, nos meus sonhos. Pensei no meu irmão que está longe. Lembrei das suas fotos do facebook. Pensei em temas para o blog. Imaginei-me em todos os lugares que eu gostaria de estar. Pensei em coisas proibidas, pensei em coisas erradas e como eu gostaria de pelo menos em pensamento cometer algumas dessas loucuras. Crio as cenas.
Panpanamericano Tantan tan tan... A música tinha ficado na minha cabeça.
Pensei que estava calor, levantei, liguei o ar condicionado. Depois pensei em uma pessoa que eu não gosto e como eu gostaria de dar uma lição de moral nela. Fica frio. Desligo o ar e deixo só o ventilador. Os travesseiros começam a incomodar, tiro um da cabeça e coloco no meio das pernas. Olho no celular. 4:37 da manhã. Eu tinha que acordar as 9. Só tinha menos de 4 horas para conseguir dormir. Angústia.
Coloquei a mão embaixo do meu peito para sentir o meu coração batendo. A pulsação estava rápida demais. Precisava relaxar. Deitei de barriga para cima e respirei fundo 5 vezes. Comecei a tentar relaxar os músculos que estavam tensos.
Panpanamericano Tantan tan tan...
Pensei em como eu faria aula de corpo sem ter conseguido dormir. Comecei a pensar em não pensar. Mas como pensar em não pensar é pensar não consegui.
Fome. Tinha comido pela última vez às 8 da noite. Com fome eu não conseguiria relaxar e dormir. Mas se eu levantasse para comer alguma coisa, meu corpo ia acordar ainda mais e ia ser mais difícil dormir. E ainda teria que escovar os dentes de novo. Preguiça.
Tentei não levantar para comer, mas não conseguia parar de pensar na fome que estava sentindo. Levantei e tomei um Nescau e comi cream cracker com polenguinho. Aliviou um pouco. Escovei os dentes e voltei para dormir.
Pensei em como era uma injustiça de Deus não me deixar dormir. Chorei de raiva. Agora só tinha mais 3 horas para conseguir dormir.
Piupiupiupiupiupiu. Os passarinhos lá fora começam a cantar. Raiva, muita raiva. Era o atestado de que estava amanhecendo e o meu tempo estava se esgotando.
Um passarinho fica mais perto da minha janela e pia em um intervalo de 4 segundos. Piupiupiupiu –silencio de 1,2,3,4 – pipiupiupiupiu – silencio de 1,2,3,4...
Quando ele piava uma vez eu contava os segundos esperando quando ele ia piar de novo. É uma contagem que eu não consegui não fazer. Dá tanta agonia quanto o barulhinho chato de uma torneira pingando no mesmo intervalo de tempo.
Viro para um lado, viro para o outro. Panpanamericano Tantan tan tan...
Calor. Liguei o ar de novo. Abafou um pouco o som do passarinho. A luz do sol atravessa as frestas da persiana. Puta que pariu! Eu preciso dormir!
Au au au au au au. Os cachorros da minha vizinha começam a latir, 5 pastores alemães. Imagino vários tipos de assassinato para fazer com estes cachorros. Botar veneno na ração, acertar com arco e flecha, jogar uma bomba...
Vozes, varias vozes. As pessoas na rua estão indo trabalhar. Que horas são? 7:30. Só tenho uma hora para dormir. Foda-se, não vou dormir mais. Calculo se terei tempo de dormir naquele dia pela tarde. Não, não teria.
Penso em como eu gostaria de ter facilidade para dormir e como eu odiava essas noites angustiantes.
Panpanamericano Tantan tan tan...
Piupiupiupiu –silencio de 1,2,3,4 – pipiupiupiupiu – silencio de 1,2,3,4...
Au au au au au au
Pipipipipipipipipi. O despertador toca, eu levanto olho no espelho e vejo um rosto acabado e com olheiras profundas.
Mais um dia com insônia. O quinto só essa semana.
Mais uma noite sem sonhos, só pensamentos.
Bom dia!