Li uma vez em algum lugar que “quem escreve só pode escrever
sobre aquilo que viveu”. Concordei na hora.
Sei que o autor desconhecido falava metaforicamente, de
sentimentos, vivencias. Não necessariamente de acontecimentos práticos. Mas eu gosto mesmo é de acontecimentos reais
e falar sobre eles. Porque inventar
historia é legal, mas é bem mais fácil e prazeroso contar uma história que você
viveu.
Digo isso porque hoje eu acordei querendo escrever, mas sobre
o que?
Gosto dos acontecimentos do acaso. Mas nos últimos dias não
ouvi nenhuma fofoca da vizinha, não tive preocupação de trabalho, não conheci
figuras interessantes na rua, não descobri nenhuma doença e nem filosofei sobre
nada muito relevante.
Hoje acordei querendo escrever, mas sobre o que?
Fui em Ipanema resolver umas coisas e no meu caminho tentei entrar
em contato com alguma coisa extraordinária que pudesse cruzar a minha rota.
Prestei atenção em conversas, fiz cara de disponível para velhinhas que
quisessem compartilhar suas aflições, fui de ônibus para ficar observando as coisas
pela janela, reparei nas vitrines, nas
promoções. Comprei umas blusas e livros em um sebo. Sentei em uma lanchonete, e enquanto comia um pastel e um suco,
reparei nas pessoas. Todas indo ou voltando de algum lugar, todas muito
normais. As pessoas mais legais que vi no dia foram uma velha que falava sozinha e um
cara do casseta e planeta. Carregava comigo 3 sacolas.
Escrever sobre o que?
[Uma menina subiu em um
ônibus e se atrapalhou para passar na roleta, trazia uma bolsa grande, e 3 sacolas de compras. Não sabia se passava primeiro com as sacolas, o próprio
corpo, ou se pagava a passagem. Sentou do meu lado e ficou me olhando com uma
cara sem graça, pediu desculpas pela quantidade de sacolas que ocupavam o chão
entre o nosso assento e o da frente. Quase não tinha onde colocar os meus pés.
Achei despeito já que o assento era preferencial. Mas acordei de bom humor e
não ia bater boca com garota nenhuma.
Feito uma retardada
ficou olhando pela janela como se nem soubesse para onde estava indo nem qual o
ponto ia parar. Acabamos descendo no mesmo ponto. Eu ia pegar minha
aposentadoria no banco e fazer o mercado.
-Arroz, feijão, frango,
farinha, leite, ovo, queijo, açúcar... – Repito em voz alta o que preciso
comprar para treinar a memória. Não anoto nada.]
Sobre o que?
[Devagar ela anda no meio
da rua com uma bolsa grande e 3 sacolas de compras. Tô doido para chegar
logo em casa. A calçada é estreita e ninguém mais pode passar, achei que quem
fazia isso era velho, mas a menina com a cabeça nas nuvens não reparou que uma
fila de gente mal humorada atrás dela tinha mais o que fazer.
Parou para olhar uma
vitrine. Logo todo mundo que estava atrás dela passou ligeiro inclusive eu.
Tenho raiva de quem fica prendendo o transito de pessoas da rua. Gente tinha que vir com
buzina.]
Escrever sobre o que?
[Estou com fome, estou
aqui sentado e ninguém olha para baixo, ninguém joga uma moeda. Uma menina come
pastel com suco. Prefiro nem ficar olhando para a fome não aumentar, um cara
que anda rápido na rua tropeça em mim e pede desculpas. Uma mulher passa
falando de arroz, feijão e frango. Hoje não é o meu dia...Ih, o cara do casseta
e planeta!]
Nada me aconteceu, ninguém foi suficientemente interessante
para mim hoje.
Mas vou escrever mesmo assim.
Sei lá, vamos supor então que alguém tenha reparado em mim. Só supor.
Uma vez li "que um ator é uma testemunha do seu tempo".
ResponderExcluirParabéns por essa sensibilidade e visão aguçada do mundo ao seu redor. Parabéns atriz, escritora, companheira, amiga, amor.
bjos
te amo
kadu